sexta-feira, 20 de maio de 2011

Polícia Militar de São Paulo não aceita críticas


A insatisfação de dois oficiais da PM de São Paulo com mensagens eletrônicas captadas no universo da internet e enviadas através de e-mail gerou um convite para que um sargento reformado fosse ouvido a termo no batalhão de São Vicente (última unidade do sargento). Segundo a comunicação disciplinar feita por um dos oficiais e endossada por um major, o sargento denegria a imagem da instituição nos comentários que fazia baseados nas matérias enviadas.

O sargento alega que em nenhum momento procurou macular a imagem da instituição, mas espera, com as críticas que faz, melhorar a Polícia Militar e trazê-la mais próxima ao cidadão e da democracia, fazendo com que a população veja no policial militar um amigo pronto a ajudá-lo no que for preciso. Isso, hoje, é uma utopia. O cidadão trabalhador, principalmente das áreas menos nobres das cidades, não consegue enxergar no PM um aliado. A distância entre povo e Polícia Militar não é nova, mas fruto de um conjunto de fatores que começa bem cedo, no centro de formação de policiais através da doutrina e treinamento anacrônico militarizados.

No quartel, um calhamaço de papéis xerocados com as mensagens enviadas foi-lhe mostrado, bem como a acusação do oficial, via comunicação, de que no entender dele havia uma tentativa de dano à imagem da instituição militar.

Não, tenente. O sargento afirma que as críticas não mancham a imagem da corporação militar. O que depõe contra a instituição é o modelo militarizado extemporâneo enfiado goela abaixo de homens e mulheres que ingressam nas fileiras da Polícia Militar com objetivos de ajudar às pessoas em dificuldades em um mundo tão distinto. Nos cursos de formação, tenente, continua o militar reformado, o jovem conscrito terá de matar todo o aprendizado da vida civil e introjetar os valores tipicamente militares, fazendo-o acreditar que é diferente do vizinho que até ontem era seu semelhante. (*Aguinaldo José da Silva chama essa mudança de caráter de mortificação do self; ver ao final da matéria)

Como despir-se desses valores demanda tempo, a duração do curso de formação de policiais militares serve apenas para o jovem aprender todos os preceitos militares, reconhecendo seus superiores e a eles ser obrigados a demonstrar todos os sinais de respeito, mesmo que a recírpoca na maioria das vezes não seja verdadeira. Vale ressaltar que isso se dá em um ambiente hostil e de pouca comunicação entre os oficiais, comandantes, e os praças, executores das ordens e que vão lidar diretamente, depois de formados, com a população nas ruas.

Assim, todo sentimento de cidadania, democracia, igualdade, direito, garantia serão somente palavras do vocabulário para o jovem policial e não serão aproveitadas ou gazadas durante seu tempo de caserna. Em razão disso, o jovem policial recém formado na academia irá para as ruas tratar o cidadão do mesmo jeito que foi tratado na escola de formação, dentro do quartel e na péssima relação diária entre comandantes e subordinados, sempre dificultada pelos primeiros lastreada nas falaciosas hierarquia e disciplina.

População não confia na PM

Uma pesquisa recente feita por uma revista nacional mostra que 70,7% da população brasileira não confia ou confia pouco na PM. Em relação à atuação da PM, veja a opinião de 2.270 entrevistados:

* 55,4% acreditam que, no geral, a polícia é incompetente
* 63,2% afirmam que ela não respeita os direitos do cidadão
* 66,5% dizem que a policia é desrespeiosa nas abordagens
* 65,3% definem a polícia como preconceituosa

O resultado da pesquisa mostra que não são as críticas que maculam o nome da PM, mas o aprendizado, as péssimas relações internas e o modelo de se formar um policial estão enviezados e fora da realidade democrática, fazendo com o policial das ruas trate o cidadão da mesma forma que é tratado dentro dos quartéis pelos superiores, uma vez que o policial vê o cidadão como um subordinado que lhe deve respeito. Da mesma forma que o oficial não respeita o praça e os seus direitos, o policial não vai respeitar o civil ou os seus direitos nas abordagens nas ruas. Como garantir algo a outrem se não se tem essa garantia?

Policiais querem a desmilitarização das PMs

Em outra recente pesquisa feita pelo Programa das Naçoes Unidas para o Desenvolvimento - PNUD -, mais da metade dos 64.130 policiais querem a desmilitarização das Polícias Militares. Alegam eles que a hierarquia rígida, humilhações e desrespeito são os maiores entraves a integração polícia e povo.

Para 60% dos ouvidos, a vinculação da PM ao Exército é inadequada. O índice salta para 65,6% dos entrevistados quando o assunto se refere a injustiças e desrespeito causados pela hierarquia, ao responderem a questão se sua insituição é injusta e desrespeitosa. Os que mais se incomadam com isso (73,3%) são os de carreira mais baixa (praças).

Em comparação, justamente os que os que mais reclamam das políciais militares são as pessoas mais pobres da população, ou seja, os cidadãos das áreas menos nobres das cidades, cujas consequências chegam inclusive à morte das pessoas. Há ou não há algo errado nesse modelo militarizado?

Uma nota que vale ser ressaltada: 81% dos praças afirmam que há mais rigor nas questões internas e pouco rigos nas questões que afetam a segurança pública, o que corrobora com uma análise feita pelo coronel da reserva da PM do Rio de Janeiro, Emir Larangeira, "é mais fácil o praça da PM ser punido por não prestar continência ao oficial do que uma agressão a um civil (pobre)".

Conseg

A 1ª Conferencia Nacional de Segurança Pública ocorrida em 2009 tratou sobre vários assuntos e definiu uma série de diretrizes, dentre elas a desmilitarização das PMs, uma das mais votadas. Até hoje, nada foi implementado a esse respeito. É certo que o lobby dos oficiais e até de governantes insensíveis colocam obstáculos a essa transição da polícia militarizada e anacrônica para uma polícia cidadã e moderna. Ninguém mais fala sobre o assunto. Por quê?

Poder paralelo

A presidente da Associação dos Delegados de Polícia de São Paulo - Adpesp -, Marilda Pansonato Pinheiro, é categórica ao dizer que a PM paulista se tornou um poder paralelo no estado. "A legitimidade é tão consolidada que a PM é quem que faz sua própria folha de pagamento. O Poder dado a esta instituição explica até o fato de oficiais escolherem carros de luxo para andar pelas ruas de São Paulo. A instituição, que não tem problema algum de verba, gastou recentemente R$ 2,8 milhões com uma Chevrolet Captiva para o comandante-geral, coronel Álvaro Batista Camilo, e 61 Vectras para atender aos coronéis da corporação. O carro do comandante é mais caro e luxuoso que o usado pelo governador do Estado, Geraldo Alckmin". Isso tudo em um momento de caos econômico mundial, o que fez a presidenta Dilma Rousseff fizesse cortes no orçamento da ordem de R$ 50 bilhões. Parece que São Paulo está fora e não sofre os efeitos dessa realidade.

E vai mais longe, quando se refere ao controle que deveria haver sobre a instituição militar. "A Corregedoria da PM é só um nome fantasia, segundo o próprio Secretário de Segurança, Antônio Ferreira Pinto. Eles investigam as irregularidades, mas não fazem a correição de seus coronéis". Diferente postura tem a Corregedoria contra os praças, cujo rigor chega a fazê-la cometer injustiças muitas vezes insanáveis.

Polícia cidadã

Desse modo, continua o sargento reformado, não são as críticas construtivas que denigrem a imagem da corporação militar, mas os atos, gestos, atitudes e demonstração de força desproporcional e violenta em muitas ações contra a população que mancham a imagem da Polícia Militar perante grande parte da sociedade.

Espera-se que mais pessoas encampem essa tentativa de mudança na PM, cujos frutos democráticos poderão ser colhidos em um curto espaço de tempo. A polícia militarizada não pode continuar a ser vista como inimiga do cidadão brasileiro em um país democrático. Mas, para isso, terá de romper com a estrutura original criada em 1831 (SP) e trazida para o século XXI completamente transformada e adequada aos novos ares democráticos.

As críticas continuarão a ser expostas e enviadas até que as mudanças necessárias aconteçam.

* O mestrando Aguinaldo José da Silva fez uma tese aprofundada em 2002 sobre as políciais militares, tendo como base a PM de Goiás, intitulado "Socialização e Violência Policial Militar" e que explica bem a relação interna e externa das polícias militares brasileiras. Vale a pena ser lida.

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